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Entenda o fechamento das fábricas da Ford no Brasil

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Na última segunda-feira (11), a Ford anunciou o fechamento de três fábricas no Brasil. Com o encerramento da produção imediata nas plantas de Camaçari (BA) e Taubaté (SP), somadas à planta da Troller em Horizonte (CE), que deve continuar em funcionamento até o último trimestre do ano, mais de cinco mil postos de trabalho devem ser encerrados. A decisão faz parte de um processo de reestruturação global da marca, que já havia encerrado em 2019 as operações em São Bernardo do Campo, principal planta da montadora no Brasil ao longo da segunda metade do Século XX.

O fechamento das fábricas no Brasil deve custar, ao todo, R$ 4,1 bilhões em encargos a Ford, há ainda questões trabalhistas a serem resolvidas. O Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté e Região (Sindmetau), por exemplo, pediu que a Ford reverta as demissões geradas pelo fechamento da planta na cidade. De acordo com a entidade, a Ford garantiu a manutenção do emprego dos 830 funcionários da fábrica até o final de 2021 em um acordo de redução da jornada de trabalho firmado para reduzir os impactos da pandemia de Covid-19.

Em Camaçari, onde eram produzidos os modelos Ka e EcoSport, o impacto é ainda maior. A fábrica emprega mais de 4 mil funcionários, segundo dados recentes. Os funcionários das fábricas teriam tomado conhecimento do fechamento das mesmas apenas no início da tarde da última segunda-feira, alguns momentos antes do comunicado da Ford ao público.


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INCENTIVOS FISCAIS

Por trás do fechamento das fábricas, porém, estão, em grande parte, as mesmas razões que levaram a empresa a abrir a planta em Camaçari: incentivos fiscais concedidos pelos governos locais e federal. Em 1999, o então recém-empossado governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra pediu a renegociação dos contratos firmados por seu antecessor, Antonio Brito, para a instalação das plantas da Ford e da GM no estado.

Enquanto a GM instalou sua planta na cidade de Gravataí em 2000, a Ford acabou rompendo o acordo com o governo gaúcho e rumando para a cidade baiana de Camaçari, abrindo o que se tornou sua maior fábrica no Brasil em 2001. Após uma longa discussão na justiça, a Ford concordou em pagar R$ 216 milhões aos cofres públicos do RS em 2016, já que a montadora já havia recebido a primeira parcela de subsídios do governo quando desistiu da instalação da planta em Guaíba.

Em entrevista na última terça-feira (12), o presidente Jair Bolsonaro minimizou a saída da montadora do Brasil, afirmando que o encerramento das operações é um processo natural e, ainda, afirmou que a Ford mentiu sobre seus motivos para fechar as fábricas. Segundo o presidente, a montadora decidiu encerrar suas atividades no Brasil após tentativas frustradas de subsídios.

“Mas o que a Ford quer? Faltou a Ford dizer a verdade, né? Querem subsídios. Vocês querem que eu continue dando R$ 20 bilhões para eles como fizemos nos últimos anos? Dinheiro de vocês, impostos de vocês, para fabricar carro aqui? Não”, apontou o presidente da República.

A indústria automotiva é, realmente, um setor historicamente beneficiado por incentivos financeiros, como condições tributárias especiais e subsídios para instalação de plantas. Mesmo com um número considerado baixo de empresas instaladas no país, o setor está entre as maiores despesas do governo em tributos. Segundo levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo, as montadoras receberam R$ 69,1 bilhões em incentivos fiscais da União entre 2000 e 2021.

Isso tudo, porém, não é por acaso. A indústria automotiva é considerada vital para a economia brasileira, pelo seu valor agregado à mesma e pela capacidade de geração de emprego que o setor tem. Segundo o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, o setor não está à procura de subsídios para manter a atividade, mas está pedindo ao governo federal condições tributárias mais justas e que estimulem a manutenção das fábricas no país.

“Em nenhum momento falamos de subsídio. Todas as nossas propostas visam à redução do custo-país. Não queremos subsídios, queremos competitividade”, apontou em entrevista a uma pequena quantidade de jornalistas, onde afirmou que o presidente da República está politizando a saída da Ford do Brasil, desviando o foco das reformas que a entidade julga essenciais para garantir a sustentabilidade da indústria automotiva no Brasil.

Moraes sinalizou para alertas feitos pela Anfavea desde 2019, ano em que a Ford encerrou a sua fabricação de caminhões e a Mercedes-Benz fechou sua fábrica de carros de luxo no Brasil. “Uma chance de resolver é estimulando a economia, reduzindo o custo. Outra alternativa é fechar fabricas”, apontou. Com o mercado brasileiro cada vez menos atrativo, especialmente com as baixas vendas motivadas pela pandemia, a Ford pode não ser a última montadora a encerrar suas operações no Brasil.

REESTRUTURAÇÃO GLOBAL

A decisão de sair do Brasil não foi tomada da noite para o dia, vem sendo maturada há mais de um ano pela companhia norte-americana. A medida é parte de um plano maior por parte da montadora, que vem cortando custos em um plano de reestruturação de cerca de US$ 11 bilhões. “Estamos mudando para um modelo de negócios mais enxuto e com menos ativos ao encerrar a produção no Brasil”, afirmou o executivo-chefe da Ford, Jim Farley.

A Ford planeja mudar o foco das suas linhas de montagem. Nos EUA, a montadora parou de fabricar veículos de passeio, com exceção do tradicional esportivo leve Mustang, dando maior atenção a SUVs e picapes, veículos maiores e mais lucrativos. Com o acordo para a fabricação da nova geração da picape Ranger na Argentina fechado no final de 2020, a permanência da Ford no Brasil ficou ainda mais difícil.

O mercado brasileiro, além da baixa rotatividade de veículos, não é considerado vantajoso para a comercialização de veículos mais caros, onde os modelos de entrada da linha Ka e a SUV compacta EcoSport eram os principais produtos da marca. Como estes são modelos que precisam de alto volume de vendas para gerar lucros substanciais, a baixa quantidade de vendas em 2020 foi decisiva para o encerramento das operações em solo brasileiro.

Também faz parte do mesmo plano de reestruturação iniciado em 2018 o foco em maior conectividade e eletrificação dos veículos da Ford. Para produzir os novos veículos, mais tecnológicos, no Brasil, a Ford precisava fazer investimentos pesados para adaptar as suas fábricas à nova realidade da marca a níveis globais.

Além dos investimentos necessários para fabricar os novos veículos no Brasil, a taxa cambial altamente desfavorável ao real também contribuiu significativamente para a decisão de encerrar as manufaturas. Cerca de 40% dos insumos usados na fabricação de automóveis no Brasil são importados e, como até mesmo produtos comprados no mercado doméstico são cotados em dólar, os custos de fabricação subiram significativamente ao longo de 2020, ano em que o dólar subiu cerca de 25% ante o real.

COMO FICA A SITUAÇÃO DA FORD NO BRASIL?

As atividades nas plantas de Camaçari e Taubaté foram encerradas imediatamente após o anúncio do fechamento das mesmas. A Ford anunciou, porém, que a fabricação de algumas peças continuará ao longo dos próximos meses, com objetivo de suprir as demandas de pós-venda da empresa no Brasil.

A fábrica da Troller em Horizonte continuará funcionando até o quarto trimestre de 2021, e a Ford não descarta a venda conjunta da marca e da planta da mesma para que a Troller sobreviva. Fundada em 1995 no Ceará, a Troller é a última grande montadora nacional do Brasil.

A venda dos modelos da linha Ka e da EcoSport devem continuar até que acabem os estoques dos veículos. Ainda em 2021, a empresa deve fazer o lançamento dos modelos Mustang Mach-E, Bronco Sport, Maverick e da nova Ranger, que passará a ser o único veículo de passeio produzido na América Latina vendido pela montadora no Brasil.

A Ford não está saindo de fato do Brasil, mas sim encerrando a produção nacional de seus veículos. A montadora garante que todas as garantias e manutenções contratadas pelos clientes serão garantidas. Por enquanto, a linha de importados da marca no Brasil é composta pelos modelos Ranger, Mustang e Territory.

Também não podemos descartar um retorno da montadora, que fabricava veículos aqui desde 1919, ao Brasil no futuro, como já aconteceu com outras gigantes do setor. A Renault, por exemplo, encerrou suas manufaturas no Brasil e voltou pouco tempo depois.

Imagem em destaque: Quatro Rodas / divulgação

Guilherme Guerreiro

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