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A quebra do Silicon Valley Bank e os impactos no mercado financeiro global

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As bolsas de valores e o mercado de títulos globais tem tido recentemente um aumento crescente de volatilidade e de percepção de risco, após notícias da quebra do Silicon Valley Bank (SVB), o 16° maior banco dos EUA e a maior instituição financeira a quebrar desde a crise de 2008. 

O SVB era equivalente ao tamanho do Santander no Brasil, com aproximadamente US$ 209 bilhões em ativos sob custódia (cerca de R$ 1 trilhão) e cerca de um terço do Lehman Brothers. Neste artigo você irá acompanhar a linha cronológica dos acontecimentos recentes envolvendo os bancos americanos, os motivos pelos quais os problemas de liquidez têm ocorrido, as possíveis extensões desta crise de confiança bancária e, por fim, uma análise paralela com o sistema bancário brasileiro. 

Na quarta-feira (08), o SVB informou a liquidação de US$ 21 bilhões em títulos para a cobertura de um rombo de cerca de US$ 1,8 bilhão referente ao primeiro trimestre do ano e que planejaria vender US$ 2,25 bilhões em novas ações para reforçar seu balanço. Contudo, o último resultado divulgado pelo banco demonstrava que a instituição tinha US$ 15,1 bilhões em perdas não realizadas em sua carteira de títulos, para um patrimônio líquido de cerca de US$ 16 bilhões. Este movimento assustou as startups de tecnologia e saúde, principais clientes do banco, e desencadeou uma corrida de saques junto à instituição. Estimativas apontam que na quinta-feira (9) foram solicitados mais de US$ 42 bilhões em transferências. Na sexta-feira (10), em meio a esta crise, a negociação das ações foi suspensa e os reguladores da Califórnia intervieram, fechando o banco e colocando em liquidação sob o fundo garantidor de crédito americano, chamado de Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC). No domingo (12), o caso levou o Federal Reserve (FED), que é o sistema de bancos centrais dos Estados Unidos, a convocar uma reunião extraordinária para intervir na situação.  

Com isso, o FED garantiu que os depositantes teriam acesso total aos seus recursos a partir da segunda-feira (13), até mesmo os depositantes com valores superiores a US$ 250 mil, que supostamente não estariam cobertos pelo FDIC – cerca de 93,9% das contas do SVB. Além disso, anunciou uma linha de crédito emergencial oferecendo empréstimos de até um ano para instituições financeiras, solicitando como garantias ativos de alta qualidade como títulos do Tesouro dos EUA, dívidas e títulos lastreados em hipotecas (Mortgages). Contudo, o problema não parou por aí: neste mesmo final de semana (12), os reguladores do estado de Nova York anunciaram o fechamento do NY Signature Bank, que tinha cerca de 90% dos depósitos não segurados pelo FDIC. Um estudo recente divulgado na Social Science Research Network afirma que 186 bancos americanos podem estar expostos a riscos similares do SVB.  

Mas quais foram os principais motivos que levaram à quebra destes bancos? Primeiramente, devemos lembrar que, em 2020, a taxa de juros nos Estados Unidos se encontrava na faixa de 0% a 0,25% ao ano. Devido à necessidade de controlar a inflação, a taxa de juros foi progressivamente elevada para a faixa de 4,50% a 4,75% ao ano, com perspectiva de novas altas até o final de 2023. Isto é, como os juros anteriormente estavam em patamares baixos, para conseguir remunerar melhor seus investimentos o SVB alocou sua carteira em títulos pré-fixados e de longo prazo, sem estruturar operações de hedge (proteção) em caso de alta dos juros. Lembrando que, quanto maior o prazo de um título, maior o impacto que uma mudança de juros tem no seu preço, sendo que a relação taxa-preço é inversa: quanto maior a taxa, menor o preço de um título. Assim, o banco e o setor como um todo tem sofrido com a marcação a mercado dos títulos do Tesouro norte-americano e de hipotecas. Com a necessidade de liquidar estes títulos antecipadamente para honrar os pagamentos (efeito de descasamento de balanço), o banco amargou enormes prejuízos. Além disso, outros fatores de impacto foram a desaceleração do setor de tecnologia e perdas de novos investimentos por conta do alto custo de funding. No caso do NY Signature Bank, além destes pontos, a quebra da bolsa de criptomoedas FTX no final do ano passado, que detinha contas no banco e representava cerca de 15% a 20% dos depósitos totais foi determinante para o seu fechamento. 

Esta crise de confiança atingiu também o First Republic Bank, um banco de médio porte da Califórnia, que ligou o sinal de alerta aos investidores. Os riscos de uma nova quebra e de uma possível contaminação do sistema bancário fez com que credores de 11 grandes instituições americanas, dentre elas JP Morgan Chase & Co, Morgan Stanley e Goldman Sachs anunciassem um apoio financeiro de US$ 30 bilhões.  

Na Europa, o Credit Suisse, segundo maior banco da Suíça, também está passando por uma crise de credibilidade após demonstrar o quinto prejuízo consecutivo referente ao 4T22 na terça-feira (14), informando ter identificado “fragilidades materiais” significativas em seus demonstrativos financeiros dos últimos dois anos, mantendo-se com índices de liquidez abaixo dos limites estabelecidos pelo órgão regulador. Na quinta-feira (15), o comunicado do seu principal acionista, o Saudi National Bank, da Arábia Saudita, de que não poderia mais fornecer assistência financeira à instituição com um aumento de sua participação no capital por questões regulatórias, fez com que o mercado passasse a se preocupar ainda mais com a possibilidade de insolvência da instituição. O Banco Central Suíço anunciou então o resgate do Credit Suisse com um empréstimo emergencial de US$ 54 bilhões para fortalecer sua liquidez e reserva de depósitos. Na noite de domingo (19) foi anunciada a compra do Credit Suisse pelo UBS por US$ 3,25 bilhões. O Banco Central da Suíça irá fornecer um empréstimo de US$108 bilhões, apoiados por uma garantia de inadimplência federal para apoiar a venda do Credit ao UBS, que deve ser concluída até o final do ano. 

Até o momento, a sensação é de que os problemas de liquidez estão relacionados a instituições já fragilizadas ou que assumiram riscos e um grau de alavancagem acima do permitido pelos reguladores. Não parece estarmos enfrentando um problema sistêmico como a crise nos moldes de 2008, visto que o sistema financeiro teve aprimorações neste período. No entanto, o ciclo de aumento de juros nos Estados Unidos ainda não encerrou por completo, podendo continuar impactando negativamente na marcação a mercado dos títulos em posse das instituições financeiras. Na quarta-feira (22), teremos decisão de política monetária pelo FED, na qual espera-se um aumento de 25 pontos percentuais na taxa de juros, ficando na faixa de 4,75% a 5% ao ano. Mas, ao mesmo tempo em que o mercado observa a estabilidade do sistema financeiro, ainda não temos sinais claros de que a inflação está convergindo para a meta determinada pelo FED. Isto é, será que o FED vai segurar o aumento dos juros, temendo a falência de bancos e correr o risco de deixar a inflação alta por mais tempo? Ou irá aumentar os juros, auxiliando para reduzir a inflação, mas às custas de um risco de novas instituições apresentarem problemas financeiros e de um crescimento econômico pior? São exatamente estes pontos que o mercado irá observar ao longo do ano. 

E quais os impactos no mercado brasileiro? Na prática, o Brasil tem pouca exposição direta a ativos de risco nos Estados Unidos e a bancos europeus. Contudo, em toda crise financeira, há uma tendência dos investidores globais a migrarem para ativos mais seguros, em países desenvolvidos. Logo, poderia afetar nosso mercado de modo indireto, no preço de ativos na bolsa de valores, com um dólar mais forte e queda de commodities, movimento este que temos experenciado nas últimas semanas. Por outro lado, analisando sob a ótica do sistema bancário brasileiro, devido a questões estruturais ele é muito mais sólido e seguro em comparação ao sistema bancário americano. O primeiro motivo é que o governo brasileiro não consegue alongar tanto os prazos das dívidas. Isso implica em menores descasamentos de vencimentos, uma vez que temos títulos públicos com prazos inferiores, resultando em melhor liquidez e em uma menor sensibilidade dos títulos à variação das taxas de juros. O segundo motivo é que os bancos brasileiros são mais capitalizados, com melhor Índice de Basiléia e maior concentração de clientes, o que reduz as possibilidades de corridas bancárias. Por último, no Brasil os acionistas controladores, administradores e o conselho fiscal respondem ilimitadamente com seu patrimônio para cobrir um eventual prejuízo do banco, fazendo com que indiretamente as instituições assumam um menor risco em comparação às dos Estados Unidos, onde a responsabilidade é limitada.

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A educação financeira é uma histórica lacuna no nosso modelo de ensino, mas felizmente existem dezenas de iniciativas que trabalham para fechar esse gap, e o projeto desta coluna é mais uma delas. Temos como missão traduzir para você aquele “Economês” frequente no mercado financeiro, além de desmistificar os paradigmas mais comuns do cotidiano de um investidor. Vamos tratar de temas atuais e como eles podem impactar diretamente a maneira como você investe. Vamos propor reflexões sobre o cenário e como tirar o melhor proveito dele. Nosso intuito é trazer um ponto de vista do lado de dentro do mercado, como cada tema é tratado e discutido na frenética mesa de operações – um mundo fascinante. Estaremos aqui todas as segundas-feiras, sempre tratando do que é relevante para você e seus investimentos. Juntos vamos fazer investimentos mais inteligentes!"

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