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A Guerra Rússia-Ucrânia e o impacto nos Investimentos

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Para que possamos falar sobre os impactos da Guerra entre Rússia e Ucrânia nos investimentos, deve-se antes entender o contexto da investida russa e por que ela ocorreu. Assim, partindo para a parte mais histórica deste artigo, é fundamental mencionar que os dois países possuem uma história compartilhada e um histórico de tensão. Kiev, atual capital ucraniana, foi o berço de Ucrânia e Rússia, estando no centro do primeiro Estado Eslavo, conhecido como Rússia de Kiev por volta do século IX, por isso as falas de Vladimir Putin de que “russos e ucranianos são um só povo”.

No entanto, ao longo da história, várias cisões foram ocorrendo entre as duas nações, como o começo da russificação no século XVIII, quando o Império Russo anexou grandes pedaços de terra da atual Ucrânia e obrigou os ucranianos a adotarem sua cultura, proibindo a utilização da língua ucraniana e inibindo a construção de uma identidade nacional. Foi na Revolução Russa de 1917, a qual acabou com a deposição e execução da família imperial Romanov na Rússia e inaugurou a União Soviética com a ascensão de Vladimir Lênin no poder, que a Ucrânia conseguiu adquirir sua independência através de uma guerra civil, porém acabou sendo anexada pela URSS em 1922. 

Nesse período, a Ucrânia passou por grandes traumas e dificuldades, como o Holodomor (“Grande Fome”), onde Josef Stalin provocou a morte de mais de 3 milhões de ucranianos por inanição ao coletivizar fazendas e sua produção. Posteriormente, Stalin repovoou o leste da Ucrânia com colonos russos e soviéticos que não possuíam familiaridade com o local, muitos nem sabendo falar o idioma ucraniano. Em 1991, com a dissolução da URSS e a divisão em 15 repúblicas independentes, a Ucrânia adquiriu sua soberania em um referendo com 90% de aprovação e começou a virar sua atenção para a UE e a OTAN.

Entretanto, apesar desse passado conflituoso, foi no ano de 2014 que essa guerra de fato começou. No começo daquele ano, o governo de Viktor Yanukovich, eleito em 2010 e de origem étnica russa, foi deposto pelo parlamento ucraniano visto que suas medidas se distanciavam do ocidente e se aproximavam demais da Rússia, o que causou a insatisfação de grande parte da população ucraniana e protestos pelo país. Mas, o estopim para os ucranianos foi em 2013, com a suspensão por parte de Yanukovich das negociações de um tratado de livre comércio com a União Europeia, simbolizando lealdade à Rússia. 

É muito importante ressaltar que o Kremlin condenou bastante a situação e afirmou que sua deposição era um “golpe institucional”, visto que o presidente era pró-Rússia. Ademais, as províncias de Lugansk e Donetsk – que ficam dentro da região de Donbass, ao leste do território ucraniano – possuem população majoritariamente de origem étnica russa, o que os faz querer estar próximos de Moscou e, por isso, apoiavam o presidente deposto Yanukovich. Logo, a sua deposição provocou a ira dessas porções, as quais autoproclamaram independência da Ucrânia, além de ter incentivado movimentos separatistas armados pró-Rússia nesses locais. 

Por fim, a resposta russa a essa situação foi a anexação da Crimeia ainda no ano de 2014, uma região estratégica no mar Negro que havia sido transferida para a Ucrânia em 1954 por Nikita Kruschev, como uma forma simbólica de representar e reforçar os laços entre as nações na época. A Crimeia conta com maioria étnica russa, a qual votou a favor da união com a Rússia em um referendo forçado pelas forças armadas russas e por separatistas da região no mesmo ano, não tendo a Ucrânia e a comunidade internacional reconhecido o referendo como legal e nem a região como território russo – nem mesmo a China, grande aliada da Rússia.

Fonte: Prepara Enem

Após a deposição de Yanukovich, foi estabelecido um governo interino até que fossem realizadas novas eleições, as quais ocorreram 6 meses depois – tendo sido boicotadas pelas regiões separatistas pró-Rússia de Lugansk e Donetsk – e levaram Petro Poroshenko à presidência do país ainda em 2014. Poroshenko defendia a maior integração com a Europa, a manutenção da paz no país dividido e o combate aos rebeldes das regiões separatistas do leste do país. Durante o governo Poroshenko, as falas e ações do então presidente americano Donald Trump, que reclamava da OTAN, arrefeceram os ânimos russos, visto que a Rússia não vislumbrava um grande risco em sua zona de influência, considerando que o líder americano não tinha pretensões de expansão do bloco e inclusive o criticava, cobrando dos países signatários que contribuíssem mais para a manutenção da aliança militar,  bem como cogitava a retirada de tropas americanas de países membros da OTAN, principalmente da Alemanha. Inclusive, um momento icônico dessa desavença foi na cúpula da OTAN em 2018, quando Trump cobrou os representantes alemães após o país fechar o acordo do gasoduto Nord Stream II com os russos, que ligava diretamente os dois países, afirmando que estavam reféns da Rússia por terem se livrado das suas usinas a carvão e nucleares, ficando dependentes do gás e petróleo russo.

No ano de 2019, o comediante Volodymyr Zelensky – que já havia estrelado em 2015 na série ucraniana “Servo do Povo”, atuando como um professor de história que, após ser gravado secretamente por um aluno enquanto demonstrava em aula sua indignação com a corrupção do país, teve seu vídeo viralizado nas mídias sociais, ganhando popularidade ao ponto de concorrer e vencer a disputa eleitoral para a presidência do país – conseguiu bater a tentativa de reeleição de Poroshenko e se tornou o novo presidente da Ucrânia, dessa vez na vida real. Sua vitória foi vista como uma forma de protesto do povo ucraniano e uma humilhação para os políticos tradicionais. Zelensky, que integra o partido Servo do Povo – nome dado em homenagem à série que estrelou –, também possui ideais de aproximação com o ocidente, através de UE e OTAN, possui um discurso contra a “velha política” do país e exigia à época que Putin colocasse um fim às ocupações de territórios ucranianos. Zelensky defende a validade do Memorando de Budapeste, que foi um acordo assinado em 1994 entre Ucrânia e Rússia. Com o fim da URSS, as armas nucleares que ficaram no território ucraniano transformaram a Ucrânia na 3ª maior potência nuclear do mundo. Com a assinatura desse memorando, a Ucrânia se comprometia em devolver todas as armas nucleares remanescentes à Rússia em troca da promessa de EUA, Rússia e Reino Unido em garantir a segurança e integridade territorial da Ucrânia.

Mas enfim, o que de fato levou a Rússia a invadir o território ucraniano?

Oficialmente, o Kremlin justifica a invasão ao país principalmente com o objetivo de “desnazificar” o governo comandado pelo judeu Volodymyr Zelensky, além de estar defendendo aqueles de origem étnica russa ao leste do país. Embora essas sejam as principais alegações do governo e dos seus veículos de comunicação, como Russia Today e Sputnik, a verdadeira razão por trás dessa ofensiva russa reside em outros pontos.

O primeiro e mais evidente é a questão geopolítica da contenção do avanço da OTAN no leste europeu. O Kremlin alega que os EUA prometeram não expandir a aliança militar, porém havia apenas um acordo verbal e informal na época, que inclusive foi desautorizado por George Bush. Junto a isso, Bill Clinton, na Cúpula de Helsinki em 1997, ofereceu US$ 4 bilhões em investimentos à Rússia e um convite para ingressar na OMC caso aceitassem a expansão da OTAN, proposta que foi aceita por Boris Yeltsin. A aliança militar começou então a se expandir pelo leste europeu principalmente pelo medo dos países próximos após a guerra da Chechênia em 1994 e a vontade de se defender da Rússia. A despeito do discurso utilizado, a questão é que a Rússia não permite o ingresso da Ucrânia na OTAN pois a aliança representa uma ameaça aos interesses e à segurança da Rússia e a sua aproximação do território russo seria inaceitável. Portanto, o avanço das negociações entre a OTAN e a Ucrânia aliado às falas de Zelensky em integrar o bloco militar foi o principal responsável pela decisão recente do Kremlin em reconhecer a independência de Lugansk e Donetsk e invadir o país, processo esse que começou com a deposição de Yanukovich em 2014.

Fonte: BBC

Outro ponto é que a Rússia já apoiava os separatistas da região de Donbass há tempos, tendo esse conflito entre Ucrânia e separatistas resultado em mais de 14 mil mortes desde 2014. Além da relação étnica alegada por Putin, que diz que a invasão objetiva defender as pessoas submetidas à intimidação e “genocídio” do governo ucraniano sem apresentar quaisquer provas, a região possui grandes reservas de minérios, com destaque para o aço, que interessa aos russos.

Por fim, entre as principais demandas da Rússia para cessar fogo, estão a desmilitarização da Ucrânia, a neutralidade em relação a UE e OTAN, reconhecimento da Crimeia como sendo território russo e de Donbass como uma região independente. Entretanto, não se chegou a nenhum acordo até o momento, visto que a Ucrânia resiste e afirma que não irá ceder uma única polegada de terra sequer e também porque não possui garantia de proteção por outros aliados em caso de desmilitarização.

Entendida a guerra e suas peculiaridades, como esse conflito pode impactar o cenário de investimentos e quais riscos e oportunidades surgem com ele?

Partindo para a parte mais econômica e financeira do artigo, a inflação já vinha acelerando no mundo inteiro com o advento da pandemia do coronavírus em 2020, que fez os governos reduzirem suas taxas de juros para incentivar o crédito e manter a atividade econômica aquecida. Com a invasão da Ucrânia por tropas russas, essa inflação global acaba por ser alavancada, tendo em vista que o país cossaco possui uma economia bastante voltada às commodities, principalmente agrícolas. O país é um importante produtor de trigo, fertilizantes, além de outros. Por isso, essa situação acaba por piorar ainda mais a inflação de commodities mundo afora, considerando a redução da oferta causada pela invasão.

Logo, esse conflito tem causado uma grande volatilidade nos mercados, que também é explicado pelo preço das commodities e o choque da oferta, trazendo preocupações em relação à atividade econômica mundial e, consequentemente, a uma possível estagflação, ou seja, aliando desaceleração econômica a um cenário de alta da inflação, o que é ruim para ativos de risco pelo menos no curto prazo, até se saber a extensão do choque. Portanto, é um choque que vem sobre uma economia global que já estava bastante fragilizada devido à pandemia e, quanto mais tempo durar a guerra, maior ainda será o impacto global sobre custos, cadeia de produção e oferta.

Em relação à inflação brasileira, a qual já foi preocupante em 2021, embora o centro da meta do Banco Central seja de 3,5% para este ano, as projeções da XP antes da guerra estavam entre 5% e 5,5%, portanto esse número piorou ainda mais, ficando atualmente em 6% e 6,5%, bem acima do teto da meta. Logo, os investimentos atrelados à inflação acabaram se beneficiando, visto que mantiveram o poder de compra do investidor a despeito de uma alta da inflação e da sua expectativa. Ressalta-se que os números inflacionários só não foram piores pois o governo cortou impostos para segurar a alta dos preços, como a redução do IPI e a discussão em voga sobre redução do PIS/COFINS, além do subsídio a combustíveis. Outro fator importante foi a queda dos preços da energia elétrica em razão das chuvas recentes.

Como resultado dessa situação, um fenômeno que deve ser mais visto também é o aumento das taxas de juros pelos governos. No Brasil, desde o início da investida militar russa na Ucrânia, a expectativa dos juros futuros por parte do mercado já aumentou para todas as datas futuras devido à percepção de maior risco (imagem). Ademais, o mercado, que precificava uma queda dos juros após atingir o fim do ciclo de alta, agora começa a esperar uma manutenção da alta taxa de juros, demorando a reduzi-la. Esse cenário, junto a uma possível recessão nos EUA e na Europa, deixa os especialistas bastante cautelosos em relação à atividade econômica brasileira, que já era delicada antes da guerra.

Fonte: Telegram XP

Aproveitando a menção às taxas de juros, outro aspecto importante a ser acompanhado é o começo do aperto do ciclo monetário por parte do Banco Central americano – o FED. Os EUA vêm sofrendo com uma alta inflação, fechando fevereiro com 7,9% nos últimos 12 meses, maior número desde 1982. Portanto, a questão da alta de juros no país é clara, a questão que fica é o ritmo que o FED irá adotar e até onde chegará, tendo em vista que os juros americanos impactam diretamente os investimentos no Brasil, que precisam elevar os juros também para manter a atratividade frente aos EUA.

Em relação ao câmbio, o real já vinha bastante desvalorizado e descontado de seu “preço justo” por conta de incertezas fiscais, então essa alta das commodities acaba beneficiando as contas externas brasileiras, atraindo mais recursos estrangeiros e valorizando o câmbio. Para a XP, o patamar entre R$5,00 e R$5,20 é um patamar que equilibra esse cenário de melhora das contas devido à valorização das commodities e do ambiente de risco doméstico e global. Junto a isso, as sanções ao governo russo e a consequente fuga de capital de Emerging Markets da Rússia para o Brasil por parte dos gestores globais, por possuírem similaridades em relação à exportação de commodities, ajudaram nessa melhora do câmbio.

Portanto, o investidor que estiver estudando as melhores oportunidades para alocar o seu dinheiro, deve levar em consideração o cenário de maior inflação ao redor do mundo e de juros maiores por parte dos bancos centrais visando a controlá-los. Por isso, nesse momento, é visto com bons olhos na Renda Fixa os investimentos pós-fixados (CDI) e indexados à inflação (IPCA) por conta da incerteza, visto que ativos prefixados – embora necessários em uma carteira diversificada – são perigosos em momentos de subida de juros, pois podem gerar uma perda na marcação a mercado.

Mesmo que a Renda Fixa seja mais atrativa nesse momento de incerteza, deve-se levar em consideração a diversificação também em Renda Variável, visto que a B3 também possui papéis interessantes, que não necessariamente precisam sofrer com fuga de bolsa com juros maiores – visto que geralmente os juros mais altos são associados à dificuldade de crescimento econômico. Além disso, para Fernando Ferreira, estrategista chefe da XP, a bolsa brasileira está barata, diferentemente das bolsas estrangeiras, sendo negociada a 8x o lucro do Ibovespa, sendo que historicamente é negociada a 12x o lucro. Além disso, Ferreira enfatiza que, diferentemente de outras bolsas, a B3 possui uma maior exposição a commodities, o que pode beneficiar neste período de volatilidade desse tipo de mercadoria. Entretanto, de acordo com o estrategista, a queda das bolsas e a volatilidade criam uma oportunidade de aumentar a exposição nos mercados globais.

Por fim, de acordo com Ferreira, apesar da alta de preço, as commodities continuam sendo uma boa opção de investimento devido ao cenário ainda apertado de oferta e demanda, inclusive porque os preços das empresas de commodities não estão refletindo o preço atual das commodities, precificando preços muito menores e indicadores de preço/lucro bastante baixos, mesmo gerando um bom caixa e bons dividendos. Os setores da bolsa brasileira que podem se beneficiar dessa situação são as commodities, sucroalcooleiras devido ao aumento dos combustíveis e papéis defensivos e pouco expostos ao cenário macro, como Banco do Brasil, Raia Drogasil, Assaí e outros. Já os setores impactados negativamente são as aéreas pelo aumento dos combustíveis, o varejo pela inflação e subida de juros e as processadoras de commodities com o aumento do preço e, consequentemente do custo.

Para maiores ponderações acerca do cenário e os melhores investimentos para a sua carteira e seu perfil de investimento, contate seu assessor de investimentos.

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