Entrevistas

Para o gestor Multimercados Macro da XP Asset, a inflação global ainda será um problema em 2022 

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Na última semana de janeiro, o Federal Reserve (Fed), estrutura de bancos centrais dos Estados Unidos, anunciava que as taxas de juros básicas do país, que estão em baixa recorde de 0% a 0,25%, provavelmente iriam subir em março. 

O anúncio veio após uma reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC), que manteve a política monetária do país, mas alertou acerca do fim das políticas de estímulos criadas durante a pandemia de COVID-19. 

O chamado tapering, a retirada gradual de estímulos, estava em US$ 30 bilhões, com uma eventual redução no balanço, que atualmente está em aproximadamente US$ 9 trilhões, assim que os juros básicos do país começarem a ser ajustados. 

A retirada dos estímulos criados na pandemia de COVID-19 são uma resposta aos dados trabalhistas do país, que já atingiram as metas esperadas pela instituição monetária. A taxa de desemprego do país está em 4%, uma superação considerável se comparada com a taxa de 14,7% de abril de 2020, mês marcado pela explosão da pandemia no país. 

Com a forte geração de emprego, a chamada inflação do salário também subiu, pressionando ainda mais a inflação do país. Os norte-americanos estão sendo empregados, lutando por maiores salários e encarando a alta dos preços nas lojas e serviços. 

As preocupações do Fed com a escalada da alta dos preços não são por acaso. Nos últimos três meses, o chamado núcleo da inflação, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) núcleo, ficou acima de 0,5% na taxa mensal. Na taxa anual, o núcleo da inflação subiu 6% em janeiro, a maior taxa desde os anos 80. 

A resposta virá na forma de aumentos nas taxas de juros para esfriar o aquecimento econômico, atitude que não é exclusiva dos EUA. Na Europa, onde as pressões energéticas estão altíssimas, as taxas de juros, que atualmente estão zeradas, podem sofrer reajustes já no final deste ano. 

A inflação se tornou um problema global, e países como o Brasil foram um dos primeiros a sentirem a escalada dos preços. 

Jerome Powell, presidente do Fed. Foto: Reuters 

É um ‘filme do que já ocorreu’ 

“O que ocorre hoje nos países desenvolvidos, nos EUA e Europa, é um filme do que já ocorreu nos países emergentes, como Brasil, Chile, México”, afirma Júlio Fernandes, Sócio e Gestor Multimercados Macro na XP Asset. Júlio é responsável por fundos líquidos como a célula Macro na XP Asset, fundo que busca obter retornos consistentes acima do CDI através de investimentos baseados em uma profunda análise do cenário macroeconômico local e internacional. 

Em 2022, a célula Macro da XP Asset completa seis anos de história. 

Para ele, os impactos inflacionários que preocupam o governo dos Estados Unidos hoje já passaram pelo Brasil tiveram como ponto de partida o superciclo das commodities, que, somado à variação do câmbio, contribuiu para que o país atingisse um superávit recorde de US$ 61 bilhões em 2021.  

Em seguida, os bens industriais, como os automóveis, foram atingidos em cheio pelos gargalos nas linhas de distribuição, impactados por políticas como o COVID Zero na China e a crise no abastecimento de semicondutores. 

A última peça, destaca Júlio, veio dos serviços, já que a pandemia de COVID-19 provocou uma alta na demanda de bens, enquanto a de serviços despencou. O conjunto destes fatores foi o “pano estrutural de como começou a inflação no mundo, que agora chegou nos Estados Unidos”. 

No Brasil, a Selic, taxa básica de juros brasileira, está acima de 2% desde março do ano passado, quando as pressões inflacionárias fizeram com que o Banco Central (BC) optasse por desaquecer a economia. Atualmente, porém, os itens que provocaram uma elevação na alta dos preços, como combustíveis e alimentos, seguem surpreendendo o IPCA, fazendo o BC correr atrás com mais elevações na Selic. 

O gestor da XP Asset acredita que a figura da inflação brasileira, com uma pressão inflacionária que segue surpreendendo e a taxa de juros em constantes reajustes, pode ditar uma tendência nos EUA. 

Por lá, a inflação, que antes acreditava-se ter uma natureza mais temporária, deve ter efeitos mais duradouros na economia. O resultado disso é um Fed que corre atrás para aumentar os juros do país, ao mesmo passo em que a inflação vem surpreendendo mensalmente. 

“O mercado de trabalho dos EUA está muito apertado. A taxa de desemprego vem caindo consistentemente, se encontra abaixo de 4%, e se nada acontecer, mira em 3% muito rápido”, destaca. “Isso significa uma inflação de salários mais elevada, que está chegando a 7%, coisa que não víamos há mais de uma década”. 

Para ele, os EUA precisam parar de ir às compras e reajustar suas taxas de juros para pelo menos o nível neutro. 

“Na XP Asset, acreditamos que ele vai ter que subir para pelo menos o nível restritivo, acima de 2,5%”, destaca. 


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Presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde. Foto: Reuters 

Na Europa, uma posição mais conservadora 

Quando falamos em uma inflação global, destaca Júlio, existe uma sequência: “primeiro, vieram os emergentes. Um ano depois, a inflação começa a bater na porta do Banco Central dos EUA. Com seis meses de atraso, a gente verá a alta dos preços pressionando o BCE”. 

A Europa é bem diferente dos Estados Unidos quando o assunto é crescimento econômico. Antes da pandemia, a maior taxa do PIB trimestral na base anual registrada em décadas era de 2,8%. Considerando as taxas inflacionárias, a última taxa anual acima de 4% anteriores a pandemia haviam sido registradas em 2008. 

O perfil do continente europeu é de um crescimento econômico estável nas últimas décadas, mas com um ritmo bem baixo se comparado com colegas desenvolvidos, como os Estados Unidos. 

“O ritmo de crescimento é muito inferior. É uma economia que a gente sempre acreditou que precisava de mais estímulos monetários”, destaca Júlio. Para ele, a resistência do Banco Central Europeu (BCE) de não aumentar as taxas de juros traduz um certo receio de abortar a recuperação da atividade econômica, que se sustentou durante anos porque os juros estão em zero desde 2008. 

Com o choque no setor energético do continente, que já registrava alta nos preços e foi agravado pela guerra na Ucrânia, o risco é que a alta dos preços se dissemine para outros itens que compõem a economia. 

Atualmente, 60% de todo o abastecimento energético importado para a Europa vem da Rússia, e 38% do abastecimento de gás natural de origem russa passa pelo território ucraniano. A commodity já subiu de € 18 por MWh no ano passado para valores acima de € 110 por MWh neste mês. Com a guerra, o risco é que os preços subam ainda mais, com um mercado apreensivo com possíveis cortes no suprimento de gás. 

“Com o que a gente tem visto de inflação, já enxergamos um BCE admitindo que poderá ter que puxar os juros no final de 2022”, disse Júlio. O perfil da Europa é uma história com um pouco de atraso que a dos EUA. 

Liu Liange, presidente do Banco Central da China (CBoC). Foto: AP 

China na direção contrária do mundo 

“O ponto da China é o mais interessante, pois é o único que está diferente da tendência global de inflação”, disse Júlio. 

Para ele, uma das principais razões para a tendência “oposta” à do mundo é a crise no ramo imobiliário que marcou o segundo semestre de 2021. Na época, a Evergrande, terceira maior incorporadora do setor imobiliário da China, acendeu um alerta vermelho no mercado quando dados mostraram dívidas acumuladas em US$ 300 bilhões que não conseguiriam ser honradas. 

A bolha do ramo imobiliário chinês, que hoje representa um quarto do PIB, inflou de maneira ascendente durante a pandemia de COVID-19, já que a Evergrande, por exemplo, não conseguiria executar grandes projetos após realizar empréstimos milionários em bancos. O “freio” aconteceu quando a demanda despencou. 

A atividade econômica chinesa desacelerou desde meados de 2021, puxada pelas medidas enfáticas de prevenção à COVID-19 em 2020. 

“Foi a primeira a fechar tudo e a primeira a reabrir”, destaca Júlio. Além disso, em 2021, a China adotou a política de Covid Zero, fazendo a atividade econômica oscilar ainda mais. 

O terceiro ponto de destaque é a deflação em produtos como a carne suína, que caiu mais de 30% considerando os últimos 12 meses. Por isso, o Banco Popular da China (PBoC em inglês), pode se dar ao luxo de diminuir, mesmo que pouco, as taxas de juros do país. 

Em janeiro, os juros de referência (LPRs) de um ano foram reduzidos de 3,80% para 3,70% pelo PBoC, enquanto os juros de médio prazo (MLF) foram reduzidos de 4,65% para 4,60%. 

De acordo com dados de janeiro, a alta de 0,9% na inflação ficou abaixo das expectativas do mercado. Isso pode dar ainda mais brecha para que o PBoC execute mais reduções nos juros, aquecendo o crescimento econômico. 

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central (BC). Foto: Agência Brasil 

E o Brasil? 

“A gente vai ter mais um problema de inflação neste ano? A resposta simples é sim, sendo bem direto”, aponta Júlio. “A nossa inflação provavelmente vai continuar elevada em 2022, podendo ficar entre 5,5% e 5,7%, já rompendo com o teto da meta”. 

Para ele, todos os pontos que marcaram a escalada da inflação em 2021 devem continuar pressionando a economia brasileira em 2022. No mercado de combustíveis, por exemplo, as altas severas no preço do petróleo podem gerar ainda mais reajustes nas refinarias da Petrobras. 

Nesta semana, o barril de brent, do Mar do Norte, passou de US$ 100, atingindo máximas acima de US$ 114 no meio da semana. Colocando em contexto, a última vez que a Petrobrás reajustou os preços dos combustíveis, na segunda semana de janeiro, o preço do barril de petróleo estava valendo US$ 83. 

A tendência para o futuro, portanto, é de mais reajustes nos preços que saem das refinarias, situação que pode agravar a depender do desenvolvimento das tensões no leste europeu. 

O gestor da XP Asset destaca também que o item de alimentação, importante compositor no IPCA, não deu trégua no início do ano. De acordo com dados do IBGE, os alimentos subiram 1,11% em janeiro na taxa mensal, impulsionada por alimentação no domicílio (0,79%), com altas em frutas (3,40%) e carnes (1,32%). Itens como o café moído (4,75%) subiram pelo 11º mês consecutivo. 

“A esperança é que as chuvas aliviem as pressões no preço da energia elétrica, o que poderia ajudar no desempenho da inflação”, afirma. “Além disso, contribuiria também uma queda na marra de impostos”. 

Como comentamos anteriormente, economias como a brasileira foram uma das primeiras a sentirem os impactos da inflação global. Por isso, a tendência inflacionária do país, que acreditava-se ser mais temporária do que está sendo, pode ser equiparada com futuros problemas que economias como os EUA e a Zona do Euro poderão enfrentar no futuro. 

Para 2022, a economia brasileira enfrenta outro tipo de desafio: as eleições presidenciais. Desde pelo menos 2013, o mercado aguarda e espera por candidatos que resolvam os inúmeros problemas fiscais do país. 

“O Brasil já vem com problemas fiscais desde 2013”, diz Júlio. “A gente tinha superávits primários desde 2003, mas a partir de 2013 foram registrados déficits primários, elevando a dívida/PIB sucessivamente. A gente sai de uma dívida bruta na casa dos 50% em 2013 para bater 90% na pandemia. Neste ano, fechará na casa dos 80%”. 

Para ele, existe sempre uma expectativa quanto futuros presidentes que executem reformas importantes e parem de gastar. Além disso, existe uma ansiedade quanto ao futuro do teto de gastos, que pode deixar de existir, como também pode continuar sendo desrespeitado. 

Se não levarmos a sério essa questão, continuaremos com uma trajetória fiscal preocupante”, disse ele. “E se o fiscal está preocupante, o Banco Central não consegue trazer a inflação para a meta tão cedo”. 

Juan Tasso - Smart Money

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