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Afinal, quando os juros vão parar de subir nos EUA?

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A sexta-feira (20) desta semana foi emblemática no mercado financeiro. Após dias de quedas, o índice S&P 500 dos Estados Unidos, um dos mais importantes do país, caiu mais de 20% comparado com o pico do indicador em janeiro desde ano. 

Foram longas semanas de quedas consecutivas nas bolsas. No caso do S&P 500, o indicador chegou a se recuperar brevemente durante as duas últimas semanas de março, mas logo recuperou a tendência de baixas. 

No mercado financeiro, uma queda acima de 20% após o pico do índice significa a entrada no Bear Market. A figura do urso, ao oposto do touro (Bull Market), reflete um sentimento negativo do mercado. 

É um período marcado pelo baixo crescimento econômico nas grandes potências. Com seu ataque de cima para baixo com as patas, o urso representa um sentimento pessimista e de quedas. 

Inúmeros fatores impactaram o sentimento do mercado nas últimas semanas, com o destaque maior sendo a última reunião de política monetária do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) do Federal Reserve (Fed) dos Estados Unidos. 

Em uma mudança de postura comparada com a primeira reunião do ano, que elevou as taxas variáveis de juros em 25 pontos-base, a reunião no início de maio ajustou em 0,50% as taxas do país, que agora estão entre o intervalo de 0,75% e 1%. 

A decisão é fruto de uma posição mais apertada do FOMC para tentar conter a alta severa da inflação. De acordo com dados de abril, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do país subiu 8,3% na taxa anual, a maior em 40 anos. 

Era uma postura bem diferente comparada com início do ano, quando o Federal Reserve (Fed) ainda apostava em uma estabilização da inflação no primeiro semestre de 2022, com falas do chairman Jerome Powell reverberando no mercado financeiro. 

A resposta do mercado ao último reajuste foi severa, com quedas acentuadas nas bolsas e um sentimento de medo da inflação e uma recessão crescendo no mercado. 


Saiba mais

Fed aperta os cintos e aumenta em 0,50% a taxa variável de juros, o maior ajuste desde 2000


Como chegamos aqui? 

“O Fed torcia por uma inflação temporária para que aqueles 7,5% [de inflação em janeiro] fossem específicos de 2021, relacionados principalmente aos problemas de oferta, demanda e petróleo”, aponta Júlio Fernandes, Sócio e Gestor Multimercados Macro na XP Asset. Júlio é responsável por fundos líquidos como a célula Macro na XP Asset, fundo que busca obter retornos consistentes acima do CDI através de investimentos baseados em uma profunda análise do cenário macroeconômico local e internacional. 

É importante considerarmos que a inflação hoje é um problema global. O “filme” que vemos hoje nos EUA, inclusive, é bem parecido com o cenário brasileiro no início do ciclo de reajustes na Selic.  

“O Banco Central começou devagar, olhando a inflação, mas se vê muito distante da meta e concede que terá que acelerar o ritmo de juros”, aponta Júlio. 

Para ele, essas projeções antigas do Fed, feitas no início do ano, rapidamente se reverteram. O choque de oferta não se normalizou, principalmente considerando os recentes problemas na China. O diagnóstico da demanda também mostrou outro cenário, com uma economia acelerada sustentada por um apertado mercado de trabalho. 

A inflação dos salários nos EUA é um dos principais fatores que impulsionam a inflação do país, além do recorde de 11,5 milhões de vagas de emprego abertas de acordo com dados de março. 

“No contexto da inflação de agora, que é mais de demanda que de oferta no nosso entender, você se vê em uma situação difícil”, aponta Júlio. “O IPC está muito alto e não deve cair na velocidade que o Fed gostaria”. 

Na avaliação de Júlio, os reajustes do Fed deveriam elevar as taxas de juros para níveis além do neutro, ou seja, acima 2,5%. Para ele, o Fed deveria ir para pelo menos o nível restritivo. 

Além dos choques na oferta, o mercado financeiro não contava com a erupção de uma guerra no leste europeu, que trouxe novas pressões para o mercado energético global. Nas primeiras semanas de conflito, o barril de petróleo brent chegou a passar de US$ 135, elevando os custos da gasolina nos EUA. 

Na China, as restrições impostas em Xangai enviaram ainda mais pressões na cadeia global de suprimentos e também impactam o desempenho das economias. 

“A China passava por um problema de crescimento antes mesmo da [política de] Covid Zero por conta da questão do mercado imobiliário”, aponta Júlio. “Os dados de abril vieram fracos para a economia, no setor de serviços principalmente. Meu receio é que quanto mais lockdowns tiverem, a gente tenha que viver com uma economia cada vez mais fraca e com uma inflação mais alta”. 

Todos esses fatores fizeram com que as pressões inflacionárias dos EUA fossem maiores que o previsto. É por isso que, segundo Júlio, “o Fed terá um desafio gigantesco pela frente”. 

Como definir um ritmo de reajustes? 

De forma simplificada, reajustes positivos nas taxas de juros desaquecem a economia e ajudam a diminuir as pressões inflacionárias. Do lado oposto, a retirada das taxas significa uma política monetária mais frouxa e pronta para deixar a economia crescer. 

Na prática, porém, as coisas não são tão simples

“Parece não ter um consenso dentro do board do FOMC a respeito do ritmo dos reajustes”, aponta o gestor da XP Asset. “O Fed tem um certo receio de ir muito rápido, e essa aceleração pode desabar mais ainda as bolsas”. 

No início deste ano, aponta Júlio, estavam precificados apenas três reajustes de 25 pontos-base em 2022 e mais três no ano seguinte. Hoje, essa postura já é bem diferente. 

“Agora, o mercado precifica pelo menos quatro altas de 0,50% e algumas de 0,25%, terminando o ano, provavelmente, perto de 2,75% para depois continuar subindo devagar no ano que vem”, aponta ele. 

Na avaliação de Júlio, caso as taxas variáveis encerrem o ano próximas de 2,75%, o risco de uma recessão no próximo ano ainda é baixo. Isso porque a economia provavelmente continuará aquecida e as pressões inflacionárias, embora menores, persistirão. 

A tendência, segundo ele, é que o Fed continue testando as águas com reajustes na casa dos 50 pontos base inicialmente enquanto avalia o mercado de trabalho e as reações do mercado financeiro. 

Espera-se, na visão do Fed de Powell, uma desaceleração da inflação após o término do primeiro semestre deste ano, e que em 2023 o IPC encerre o ano a 3%. Para o gestor da XP Asset, porém, essa meta provavelmente não será cumprida e o ciclo de reajustes de juros poderá durar por mais tempo. 

Enquanto isso, o mercado financeiro segue reagindo negativamente aos sinais econômicos ruins. Para Júlio, as bolsas ainda não terminaram de cair

De qualquer maneira, do ponto de vista do consumidor, os reajustes dos juros e a alta da inflação significarão perdas de portifólio mais acentuadas que em outros momentos da história. 

Em 2008, por exemplo, quando o país passava por um ciclo de recessão durante a crise dos subprime, o Fed pôde optar por reduções nas taxas de juros que garantiram estabilidade no portifólio do norte-americano, composto principalmente de equity e Renda Fixa, como os títulos de 10 anos do Tesouro do Estados Unidos. 

Na época, apesar da crise a redução nas taxas de juros, a inflação acumulada dos EUA não passou de 5,60% e o portifólio do norte-americano seguiu uma certa estabilidade apesar das perdas em equity

Em 2018, embora o risco de uma recessão tenha sido menor, a mesma postura de política monetária foi efetuada, com as taxas de juros dos EUA caindo de 1,58% para 0,05% em menos de um mês. 

Hoje, porém, o cenário é diferente. Com a maior pressão inflacionária dos últimos 40 anos, o Fed não tem escolhas a não ser aumentar as taxas variáveis de juros para tentar desacelerar o IPC. 

“Hoje, portanto, acontece algo inédito: o norte-americano acaba perdendo dinheiro nas duas principais posições”, aponta Júlio. “É muito importante que o Fed acompanhe o efeito riqueza também”. 

Juan Tasso - Smart Money

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